Mas que motivos teria Chico Buarque para querer dividir o seu título com Geraldo Vandré? Dentre muitas outras coisas, o significado que essa música tem foi um fator determinante. Disparada fala, antes de tudo, da vida de um homem e suas experiências.
Prepare o seu coração
pras coisas que eu vou contar
eu venho lá do sertão,
eu venho lá do sertão,
eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar.
É nestes primeiros versos que conhecemos o eu lírico e o cenário (afinal, Disparada narra uma história) em que ele se encontra. O eu lírico apresenta-se como um sertanejo na cidade grande. É um artista, muito provavelmente um cantor de rua. E é na rua que ele está quando começa a contar a sua vida. E ele tem conhecimento de que, durante sua narração, pode não agradar algumas pessoas. Ele sabe que a verdade sempre machuca.
Aprendi a dizer não,
ver a morte sem chorar.
E a morte, o destino, tudo,
a morte e o destino, tudo
estava fora de lugar
eu vivo pra consertar.
Na segunda estrofe, o nosso narrador-personagem nos remete à sua vida no sertão. Como pobre, era acostumado à vida difícil. Estava face a face com a negação, sempre dizendo "não". A morte não o assustava, era corriqueira. Quando se convive frequentemente com a morte por fome, por sede e tantas outras questões tão desumanas quantas, ela torna-se indiferente. Acostuma-se à dor, até que não a sinta mais.
No entanto, ele sabia que algo estava errado, que tudo estava errado. Mesmo acostumado à sua rotina, não era acomodado. Era como qualquer outro jovem e sabia de seu potencial para mudar as coisas ao seu redor; sabia que ele poderia repor no lugar tudo aquilo que estava tão bagunçado.
Na boiada já fui boi,
mas um dia me montei.
Não por um motivo meu,
ou de quem comigo houvesse,
que qualquer querer tivesse,
porém por necessidade
do dono de uma boiada
cujo o vaqueiro morreu.
Vemos aqui uma metáfora. Vandré associa o povo daquele seu sertão a uma boiada, onde cada pessoa simples era um boi. E ele, como integrante daquela sociedade, era também um boi em toda a boiada. Mas uma dia, devido ao rumo que sua vida havia tomado, por puro destino, acabou por se montar - deixou de ser boi. Tal como os governantes, que sempre pisaram e montaram nas pessoas humildes, o eu lírico fez. Ele estava agora, sem razão alguma, governando e reprimindo a boiada da qual há não muito tempo fazia parte.
Boiadeiro muito tempo,
laço firme e braço forte.
Muito gado, muita gente
pela vida segurei.
Seguia como num sonho,
e boiadeiro era um rei.
Passou muito tempo como um líder. Era o típico carrasco dos filmes de faroeste, dono de fazendas, de bois, de gente. Estava bem com sua boa vida. Já não lhe era conveniente importar-se com aqueles pobres, não era mais um deles.
Não lembrava nem um pouco aquele menino de tempos atrás, que tinha sede em mudar os podres atos cometidos ao seu redor. Agora ele era o praticante de tais atos.
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Mas o mundo foi rodando
nas patas do meu cavalo.
E nos sonhos que fui sonhando,
as visões se clareando,
as visões se clareando,
até que um dia acordei.
Então não pude seguir
valente em lugar tenente
e dono de gado e gente.
Porque gado a gente marca,
tange, ferra, engorda e mata,
mas com gente é diferente.
Mas o mundo gira. As coisas mudam e os últimos são sempre os primeiros. Muitas coisas aconteceram na vida deste reles sertanejo e ele percebeu que aquele que seguia como um rei não era ele, mas sim uma figura imposta que renegava todas as suas origens. Ele percebeu que não podia mais seguir como aquele líder tirano e cruel.
Apesar da metáfora, pessoas não são bois e não podem serem tratadas como tais. Seres humanos necessitam de direitos humanos.
Se você não concordar,
não posso me desculpar,
não canto pra enganar.
Vou pegar minha viola,
vou deixar você de lado,
vou cantar noutro lugar.
Então o nosso sertanejo termina aqui a sua narração. E nos relembra do que é agora: um artista, cantando na rua com sua viola, tentando fazer com que alguém aprenda algo com a sua história. Ele expôs a sua opinião: "Gente não é gado", mas não vai discutir isso com ninguém. É um homem sábio, sabe que pode mudar as coisas, mas não as pessoas. Se elas tiverem consciência, entenderão o que ele diz. Caso contrário, ele sairá de perto, tentará encontrar outro alguém a quem tentará sensibilizar.
Na boiada já fui boi,
boiadeiro já fui rei.
Não por mim nem por ninguém,
que junto comigo houvesse,
que quisesse ou que pudesse
por qualquer coisa de seu,
por qualquer coisa de seu,
querer ir mais longe que eu.
Mas o mundo foi rodando
nas patas do meu cavalo.
E, já que um dia montei,
agora sou cavaleiro:
laço firme e braço forte
num reino que não tem rei.
Mas desta experiência nem tudo foi tão ruim. Ele aprendeu a ser um líder, aprendeu a não deixar que o montassem. Depois de tudo, não é nem boi nem boiadeiro, é cavaleiro, aventureiro. É quando Vandré, subliminarmente, nos apresenta uma de suas ideias: o Anarquismo, para ela a solução para acabar com a dor da sofrida gente sertaneja.
Num reino sem rei, o poder não está centralizado nas mãos de uma única pessoa. O poder é de todos, porque são os bois que realizam o trabalho pesado, enquanto os reis boiadeiros nada fazem.
Muito legal adorei a interpretação sabia q a música em si queria passar alguma mensagem, porém, ñ tinha conhecimento de qual era. Com sua interpretação tudo ficou muito claro obrigado ;)
ResponderExcluirnossa adoreiiiiiiiiii
ResponderExcluirgostaria q inerpretasse anunciação do alceu valença.
bjs, Cris do Recife
Finalmente uma boa análise. Já li sobre "Disparada" as coisas mais bizarras possíveis... Tentam encontrar chifre na cabeça de cavalo. Mas esta está boa, coerente.
ResponderExcluirConcordo: Li várias análises sobre a música, muitas absolutamente sem sentido. Essa é a mais coerente.
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