Interpretação

Pessoal

Interpretações, Significados e Análises de Letras de Músicas

Disparada, por Renato Bandeira



Agora vou interpretar a música Disparada, do meu conterrâneo Geraldo Vandré, a música como muitas outras de Geraldo, fala sobre a ditadura e sua tentativa pra mudar o cenário daquela época. A música foi lançada no I Festival de Música Popular Brasileira, que ocorreu em 1966 durante a Ditadura Militar. A música faz uma comparação entre o modo que o gado é tratado e o estilo de vida imposto pela Ditadura, onde o povo era visto apenas como algo que devia viver sem pensar e nem descobrir o que existia além daquela realidade, até que o próprio Geraldo Vandré tenta tomar controle do povo com sua música e alertar a população sobre os absurdos que eles sofriam diariamente sem se importar, até que Vandré percebe que ele mesmo estava apenas criando outra forma de sistema e outro tipo de modismo, e com a impressão de liberdade o povo se acomodava novamente, vejamos o desfecho dessa música abaixo:
Disparada
Geraldo Vandré
Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar.
Essa parte é mais como uma apresentação de Vandré para sua platéia, ele fala de sua origem e conta que não veio pra agradar, veio para consertar aquilo que estava fora do lugar, ele mostra certo comprometimento com aquilo que pretendia fazer já que afirmava que dedicava sua vida para melhorar a sociedade que estava em colapso.
Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu

A boiada representa a realidade da época e os bois as pessoas. Vandré diz que já foi uma pessoa daquelas, que se conformava com tudo e vivia sua vida sem se preocupar, sendo apenas marionetes dos militares. Um dia ele tomou consciência de que aquilo não era certo e que ele precisava ser o líder de si mesmo e resolveu “se montar” e não mais obedecer aos líderes daquela política, Vandré se tornou rebelde não por influencia de alguém próximo ou por vontade própria, mas por necessidade de uma boiada que não tem mais vaqueiro, nele fala que o povo não tinha mais um “líder” e por isso ficara muito indefeso, e por causa disso ele tinha a necessidade de ajudar e se fez um vaqueiro e tomou a frente da situação tornando-se um símbolo da luta contra a ditadura.
Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei

Muito tempo se passou com Vandré movendo massas com suas músicas e conscientizando as pessoas fazendo com que muita gente também se revoltasse, vivendo como num sonho onde as pessoas o seguiam como se fosse um rei, mas o governo não permite concorrência e a utopia que ele havia formado um mundo melhor acabou quando ele foi atingido pela censura e pela força do governo militar e teve que desistir daquilo que um dia prometeu dar sua vida.
Então não pude seguir valente em lugar tenente
E dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto pra enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar

Depois de sofrer a perseguição dos militares, ele não pôde continuar investindo contra a Ditadura, não era possível ser livre em um lugar tão terrível e cruel, um lugar “tenente”, como Vandré relata no primeiro verso. Também não era mais possível seguir como líder do povo, mas Vandré faz um alerta, dizendo que gente não é gado. Mais cedo ou mais tarde, com ele ou sem ele as pessoas iriam se revoltar e se alguém fosse contra seu pensamento, que mandassem ele pra fora do país, pois ele nunca deixaria de falar a verdade em suas músicas.
Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu

Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei

Depois de rodar o mundo e conhecer, mas a natureza humana, Vandré fala sobre o anarquismo, pois agora ele não é mais um boiadeiro que cuida dos bois e os guia, ele agora é um cavaleiro que cuida apenas de si mesmo em um reino onde não existe um rei e cada um é dono de si mesmo e cada um tem o dever de procurar o melhor pra si mesmo, pois não existem mais autoridades.

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11 comentários:

  1. Muito boa, da para ver bem separadamente a diferença de ponto de vista de voce e da Thamyris, gostaria de dizer que me identifiquei mais com a sua desta vez.
    Em relação ao que foi escrito concordo com quase tudo o que voce disse menos quando voce faz as relações com a ditadura, acho que o compositor quis somente comentar sobre o estado (quase da mesma maneira com que fazia os filosofos sociais de antigamente) que voce comentou de muito boa maneira. Mas desconsiderando esta critica achei muito boa mesmo a interpretação, boa noite aos dois!

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    1. Claro que ele faz referência a ditadura e deixa bem subentendido, afinal, ele viveu aquela época, assim como grandes outros artistas da MPB que compuseram letras sobre a insatisfação com o governo.

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  2. Achei a interpretação super coerente e gostei bastante da proposta do blog.

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  3. "de boas intenções o inferno tá cheio"... suponho que essa frase foi inventada pela desconfiança e acima de tudo a decepção de muitos por se sentirem prejudicados nas "boas intenções" prometidas. emfim, não sou um intelecto da ditadura, mas foi um episódio no qual os mesmos queriam alienar tal povo a seus ideais, sem falar da corrupção que reinava naquele tempo. Ao meu ver, o fato de não aceitar diferenças e liberdade de expressão é um erro grave, o preconceito é a prova disso, e naquele tempo, os ditadores cometeram o erro de forçar a todos a aceitar a mesma idéia, a mesma lei, é claro q seu povo iria se revoltar por algo que não concordavam, os mesmos tinham opinião própria, mas como para muitos o poder é a prova que estamos acima dos outros nesse mundo, então esse conflito durou muito tempo. vandré teve esse sentimento e usou meios como a música pala lutar pela sua opinião própria, seu modo de pensar, de agir e não posso desconsiderar o fato de que ele também errou em querer forçar o povo com seus ideais, assim descrito por você. como o mesmo não tinha o poder diante da ditadura,ele se calou contra sua vontade. as intenções de seja quem for podem ser as melhores ao seu ponto de vista e ao seu coração, mas contudo, deve-se aceitar as diferenças e o direito dos mesmos de recusar e descordar de suas idéias, é assim que um mundo de "cores e bandeiras variadas" deve ser, isso seria um dos conceitos de liberdade...ótima interpretação Renato Bandeira!!!
    (Anderson Santos)

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  4. Cara, muito show u.u
    Genial define melhor a interpretação, gosty
    (Anna L.)

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  5. Esta obra e muito dificil de ser interpretada. Quando a escuto tambem tenho a tendencia de entende la assim. Porem ha muitas falhas cronologicas entre as composicoes, censuras, perseguicao e o exilio do autor. Esta musica e de 66 e ele foi censurado apenas no ano seguinte com outra musica e exilado mais adiante. A impressao que tenho e que o autor previu o futuro e voltou pra compor esta letra.

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    1. Ele via a tortura e censura contra seus amigos na época, oras...

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  6. http://cafecomsociologia.com/2014/05/analise-da-musica-disparada-1966.html
    Outra linha de interpretação

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  7. Na verdade essa música fala muito mais da relação de exploração do empregado pelo patrão. Fala da história de um peão comum, que por acaso ("...porém por necessidade/do dono de uma boiada/cujo vaqueiro morreu...") se torna o líder, encarregado ou chefe, como queiram ("...na boiada já fui boi, mas um dia me montei..."), o tempo foi passando e ele exercendo seu ofício ao estilo capitão do mato ("...laço firme, braço forte/muito gado, muita gente/pela vida segurei..."), até que foi caindo na real ("...mas o mundo foi rodando.../...as visões se clareando, até que um dia acordei..."), até que entrega o cargo/função ("...então não pude seguir...") e conclui que não se pode ser "dono de gado e gente" ("...porquê gado a gente mata/tange, ferra, engorda e mata/mas com gente é diferente..."). Então o boiadeiro passa a ser cavaleiro com o mesmo "laço firme, braço forte", mas "num reino que não tem rei".

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  8. A interpretação tem muitas partes boas, mas discordo de alguns detalhes. Primeiro, não acho que o eu-lírico seja o próprio Vandré, até pq. o herói da esquerda da época teria que ser o "homem do povo", o próprio artista como herói seria de uma arrogância inaceitável, Vandré perderia o apoio da "patota" e as gatinhas que esquerdistas pegavam de boa na época. O eu-lírico está mais para um personagem vaqueiro que após fazer muita coisa na vida se converte ao "socialismo. ", o "reino que não tem Rei" (na teoria, em todas as experiências o Socialismo Real teve Reis bem absolutistas ...). Na primeira estrofe, quando diz para o ouvinte preparar seu coração, pq. as coisas que o narrador vai contar podem não agradá-lo, e quando diz em seguida que aprendeu a dizer "Não !", ver a morte sem chorar, parece que ele foi inicialmente um matador, a serviço de algum coronel ou coisa assim, onde o poderoso decidia quem estava com sua morte e seu destino fora do lugar, e o matador "consertava" a situação. Também quando você afirma que um lugar "tenente" seria um lugar terrível, cruel, por quê? O que tem a ver "tenente" com "terrível, cruel"? É algum trauma de milico? (rsrsrsrs). No caso, "lugar-tenente" segundo o dicionário significa "pessoa que secunda um chefe e o substitui em caso de ausência", ou seja, o boiadeiro ascendeu na hierarquia do "coronel" e tornou-se seu substituto, mas ao final teve uma compreensão cada vez mais clara dos mecanismos da sociedade "opressora" que nos trata como gado e virou "militante". Coloco entre aspas os termos que são chavões da teoria Marxista, uma moda que passou nos países desenvolvidos, subsiste em rincões muito atrasados, hoje é um anacronismo histórico, mas no período era a teoria hegemônica no meio intelectual e artístico, então muito provavelmente era o sentido procurado pelo Vandré.

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